terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Máquina de Costura à Manivela Clemens Muller e o Pilão


Há muito tempo queria comprar uma máquina antiga dessas de manivela. Outro dia segui um anúncio e comprei esta Clemens Muller, modelo de 1890 em um site de vendas. Como dava para ver ela estava perfeita, isto é, sem partes faltantes e costurando, "passando uma costura" numa boa, como se o tempo para ela não tivesse passado e estivesse jovem e pronta - ainda - para o que der e vier. 
Agora eu já posso "ganhar a vida", "costurar para fora", "costurar de ganho".

Na minha casa da infância não me lembro dessas máquinas, minha bisa só fazia crochê, o crochê irlandês, o tinhoso, complicado que é todo recoberto pelo meio ponto e parece uma renda. Alguma jovem do século XXI se habilita a aprender????
Mas, me lembro de uma vizinha, d. Tereza que tinha essa máquina de manivela e que eu estando por lá na casa dela a via  sentada a costurar com a sua máquina que eu achava uma coisa mágica, eu ficava fascinado com aquele invento e com aquele barulhinho gostoso. A máquina de costura sempre exerceu sobre mim um fascínio, pois cresci vendo minha avó debruçada sobre uma e eu achava incrível, um prodígio o que ela produzia.
Minha avó costurava, na verdade, pouco, fazia calçolas, fazia umas bainhas, lençois, remendava, consertava "dava entradas" em roupas que tinham folgado, uma pence aqui, outra acolá, coisa pouca, o forte dela mesmo era o bordado. Se sentava depois do almoço e bordava toalhas de mesa, panos de prato, centros de mesa, paninhos diversos e vendia. Aliás, no tempo das vacas magérrimas, quando a pensão dela de viúva foi quase a zero, a Vigorelli dela foi o sustento da casa.

Voltando a d. Tereza, a vizinha. Ela era uma senhora super pacata, calma, além de costurar fazendo as roupinhas dela - devia fazer calçolas, combinações e anáguas também - me lembro que, na Semana Santa ou nos dias em que se fazia comida baiana, caruru, vatapá, efó etc. ela se sentava na parte de trás da casa e sentada numa cadeira pilava o camarão seco, a castanha e o amendoim em um pilão de madeira pesadíssima. Me lembro que ela erguia o pilão e o deixava cair sobre o conteúdo a ser pilado, triturado, esmagado até se transformar em uma farinha. De quando em vez ela mexia o conteúdo com uma colher, colocava uma "nuvenzinha" de "farinha de guerra" para não ficar pastoso e tornava ao processo. O conteúdo ficava mais triturado e fino que em um liquidificador ou processador moderno. E assim ela ficava uma manhã inteira. 
Todos naquela época tinham o tempo ao seu favor, e não contra. Hoje a gente não dá conta do que se tem para fazer. É tudo corrido, a toda brida passa o dia, a semana, os meses e o ano.



Lá em casa também tinha os seus dias de pilão. Nos dias de comida de azeite, pilava-se os ingredientes de véspera porque era muito trabalhoso o pilar. Quem fazia o santo e penoso trabalho era a minha tia-avó, Diva que só se dava por satisfeita quando tudo virava um pó fino que sumiria dentro das comidas depois de cozidas. Caruru e vatapá com granulado, nem pensar! Alguém dia logo: tá mal feito! O vatapá era um manjar, tremia na terrina inglesa de minha avó. Aliás, o aparelho inglês de minha avó saía para uso nesses almoços da Semana Santa e nas canjicas do São João, depois, direto para a cristaleira!
O pilão tinha em todas as casas, ficava encostado em um canto da cozinha durante longo tempo até que um dia ele era o instrumento mais precioso, a estrela na preparação da comida.  Esculpido em um pedaço único de madeira grossa e escura, de lei, era rústico, geralmente comprado na feira. O machucador era grosso e pesadíssimo!!! Eu, muito criança nunca consegui manejar, nem carregar aquilo que era muito pesado. Os pilões com o tempo iam ficando gastos, carcomidos de tanta porrada, as beiradas amassadas, e o interior liso - das porradas. E ficavam lindos assim, usados, manejados, gastos pelo tempo, por uma vida, pois duravam anos e anos.
Não sei qual fim teve o pilão lá de casa. Aliás, sei, deve ter ido para o lixo, o liquidificador entrou e ele saiu.
Nos anos 70 me lembro que era moda colocar um pilão na sala para decorar e também umas gamelas enormes para colocar revistas. Eu achava super cafona, aquele pilão novo em folha, a madeira clara, não carcomido pelo tempo e pelas porradas. Uma porcaria.
 E tudo depois se modificou, o camarão, a castanha e o amendoim, mais a cebola, ficou sendo passados no liquidificador como é até hoje.
Mas, volto aqui: a máquina de moer carne também já se usava, e muito, para fazer o preparo das comidas de azeite. Passava o camarão seco, a castanha de caju, o amendoim, a cebola. Falei tanto do pilão e esqueci da máquina com suas peças de graduação fina e grossa usadas a depender do que se queria passar. O pilão entrava também na onda, mas a máquina de moer, chamada também de "moinho", era o que se usava lá em casa no tempo da minha infância.
Depois o liquidificador substituiu o pilão e a máquina de moer.

A Clemens Muller me fez retroceder no tempo em que eu fui creança nos anos 60.
E me deu uma vontade de passar uma costura - o que já tenho feito - e é uma delícia...de fazer uma calçola... e pilar no pilão!


Um Painel de Carybé Resistindo ao Tempo














Obra de Carybé, resistindo ao tempo, a tudo e a todos em uma entrada de um velho edifício no centro de Salvador. Eu já conhecia o painel, mas tinha anos que eu não o via porque a rua está totalmente poluída visualmente. Antes de contempla-lo tem mil coisas a atrapalharem a visão. A rua, atualmente, é tão movimentada que a gente passa e não vê nada com o mundaréu de pessoas a esbarrar na gente, a gritar, músicas altas...só eu mesmo para me desligar e dar de cara com este trabalho lindo de Carybé.
Carybé Resistência!