domingo, 11 de março de 2018

Já . Uma Revista / Jornal de Tarso de Castro . 1971


Essa revista , ou jornal, como chamava o editor Tarso de Castro circulou na mesma época de O Pasquim, o A Flor do Mal e o Verbo Encantado, editado aqui em Salvador. Me lembro de ter lido algumas , comprei algumas, mas ela circulou pouco, não teve vida longa. Essa eu guardei durante todos esses anos, talvez pela capa que tem Bethânia e, na época, eu era fã total. Aos 47 anos a revista está super conservada, apesar do papel que é tipo de jornal, poroso e frágil. Mas, como ela tem poucas páginas - 40 - e para durar mais, agora, uma eternidade, resolvi escanear toda e colocá-la aqui no blog para que todos possam ler esta preciosidade da imprensa alternativa e super legal que se fazia nos anos 70, anos do desbunde. A era um desbunde, como se dizia, e todo o barato legal lia.
A ou jornal , era um tipo de publicação na época feita para driblar a censura, abordava-se vários assuntos e embutia-se outros disfarçadamente e inteligentemente para poder circular. A posição da revista era francamente de esquerda, mas com uma opção bem clara pelo humor, pela mistura de assuntos, o popular e o sofisticado. A revista tinha de tudo, enfim. De Bethânia a Jerry Adriani, de Chacrinha a Tereza Souza Campos, bolsa de valores kkk, a coluna social, Antonio Bivar a Elis - respondendo cartinha de fã do próprio punho - e Caetano sendo "avaliado" por leitores da revista. Um barato!
Tarso de Castro nessa época também escrevia no Pasquim e este jornal/revista foi um trabalho só dele e com a colaboração de pessoas super legais da época. Ele soube muito inteligentemente misturar tudo numa geral geleia legal e foi super feliz ao criar esse luxo da imprensa alternativa que foi a/o .
Eu adorava a revista e, agora, quem não conhece e nunca ouviu falar dessa publicação vai poder constatar o que escrevo aqui. A é um retrato do Brasil do início dos anos 70, época conturbadíssima de censura e de perseguição para quem estava envolvido em política diretamente e também para quem não estava ou fingia não estar. Muitos queriam viver e curtir apesar do clima pesado que pairava no ar e optaram pelo barato legal, pela doideira, pelo riso e, assim, a vida ia seguindo tranquila na risadaria. Pelo menos assim eu e minha turma na época nos comportávamos.
"Vamos viver os grilos pintam e daí? 
Vamos curtir o frevo diz pra onde ir. 
Vamos pelo rumo bom e o frevo seguir. 
Driblando as quebradas da vida lá, si, dó, re, mi."
Fui ao Google procurar, fuçar pelae não encontrei nada, nada. Parece que a revista passou batida, sumiu, ninguém sabe, ninguém viu, ninguém tem. Acho que só euzinho possuo um exemplar!
Mas, agora e já, vamos todos ler a/o .

(depois de ter escrito isso, vi alguns exemplares da revista ofertada em um site de leilão e o lote já havia sido vendido) 



Queria tanto comprar um número atrasado da ... kkkkkk, mais fácil achar dinheiro pelo chão.




Essa foto desse hippie kkkkk saiu em todas as revistas da época e eu recortei e colei em um dos álbuns que eu fazia no início dos anos 70. Tarso aproveitou também a imagem e colocou na revista dele que, aliás, apelava muito para a colagem.








































A capa e a contracapa da . Os irmãos santamarenses. Bethânia linda e solta e de cabelos soltos no show Rosa dos Ventos que assisti no TCA com amigos e que, depois da apresentação, fomos todos falar com ela na saída. Bethânia chegou linda de branco e tamanquinho. Leina Krespi linda de sari azul, olhão azul. E nós no meio.
O  vestido branco que Bethânia usava no show, a barra, é toda desfiada: os fãs puxavam quando ela cantava no proscênio e foi virando um franjão. Reparem na foto.
Caetano na época não sei se estava preso ainda, se estava solto, "na rua". Gil, idem. Mas as músicas deles estavam no repertório de todos os cantores da época. Estavam nas bocas.
Elis cantava o grande sucesso da época, Madalena de Ivan Lins. Fernanda Montenegro disse em uma entrevista que o que ela mais queria naquele momento era ser Elis cantando Madalena e dominando multidões. 
E Elis fazia no Rio o show É Elis. Não vi. Mas, a partir daquele show, ela partiu para uma fase totalmente cool, preciosa, requintada, refinada e dominando o vozeirão cantava com um fio de voz. Ela podia: é a melhor cantora que o Brasil teve e tem. Não vai haver outra.
Nara Leão morava em Paris na época e fez um disco deslumbrante, "o da ponte" cantando 24 músicas de bossa nova: a própria bossa cantando bossa. O máximo!
Gal fazia o A Todo Vapor. Assisti no Vila Velha. Vi violeto. kkkk
No final do show eu e todo mundo pulando carnaval no palco ao lado da cantora. Não se perca de mim, não se esqueça de mim, não desapareça. E tanta gente desaparecia naquela época braba da ditadura. Mas eu tinha só 16 anos e, apesar de consciente da barra pesada do regime eu não estava ligado à política. Eu queria pular. E pulei.
Gal estava linda, linda naquele show: bustiê e saia abaixo do quadril e os pentelhos de fora. Linda! Um desbunde, como se dizia.
Além desses cantores eu ouvia, Claudette Soares. Por incrível que possa parecer eu ia em festas e dançava ao som romântico e mini pilantrinha de Claudette!
Doris Monteiro. Jorge Ben, Chico Buarque. Milton. E outros mais. O que tinha de melhor a gente ouvia.
Redescobrimos os cantores das décadas de 50 e anteriores. Eu comprava discos 78 rotações.
Líamos tudo o que caía as mãos, líamos vorazmente. Eu fazia o último ano ginasial. Depois das aulas, rua. Na rua. No Porto da Barra, nos cinemas, nos shows, nos concertos da reitoria da Ufba. Peças na escola de teatro. Tudo sem um tostão no bolso, dinheiro só o de ida e volta do ônibus. Mas, ríamos e nos divertíamos.
Os ônibus circulavam até as 23 horas e depois disso, babau. Ou eu ia dormir em casa de algum amigo ou voltava andando, numa boa e sem medo pra casa. E eu morava na cidade baixa!  Atravessava toda a Av. Sete, Pça. Castro Alves e a Municipal para descer o elevador Lacerda e ir dali até o Terminal da França e pegar o buzu que saía de hora em hora. 
Nunca me aconteceu nada, ninguém me roubou e tô vivo.
Eu e meus amigos íamos para a Galeria 13 bar que ficava no meio do puteiro no Pelourinho. Ouvíamos Dalva, Ângela, Carmen, AracyIsaurinha, Linda, Julie London. Nunca aconteceu nada desagradável nas idas e voltas pela madrugada. Íamos ao Ocê que Sabe, outro bar da pesada na rua Rui Barbosa. E outros inferninhos. Tudo maravilha. Uma vez fui ao Sayonara - a orquestra ou conjunto ficava em cima de uma concha, ao alto! - com amigos: o carro estacionado na porta, ficamos lá, bebemos, dançamos e voltamos numa boa. Nada desagradável aconteceu e nem imaginávamos que poderia acontecer algo ruim. Íamos e pronto.
O dinheiro para nós naquela época não era o mais importante, uma calça jeans, camisas de malha e um tênis bastavam.  Dinheiro só para o transporte. Não éramos de encher a cara e nem de fumar. Era tudo no limite do prazer. Hoje o consumo impera, o dinheiro antes de tudo e fazem de tudo para consegui-lo facilmente. Uma tristeza. "Vergonha na cara", uma coisa básica, não existe mais. O povo não não se "avexa" com o que faz. O errado é o certo.
Hoje, quando eu me lembro que eu atravessava Salvador madrugada à dentro e numa boa, sem sobressaltos, parece-me um sonho, mas foi minha realidade e de todos os meus amigos durante um bom tempo. 
O que acabou com a vida noturna, com o flanar tranquilo pela cidade na madrugada - as lojas ficavam com as vitrines de vidro abertas e acesas! e ficávamos olhando as modas kkkkkkk, o que acabou mesmo com a nossa tranquilidade foi o crack. O chamado "vagabundo maconheiro" nunca agrediu ninguém, mas o viciado em crack, mata. Mata a mãe.
Como voltar a flanar nesta vida de meu deus!!?? Não vejo mais solução e o melhor é, então, ficar em casa. A rua de hoje no Brasil é igual à ditadura, ao regime político dos anos 70, época da: ficamos limitados e presos. Não temos liberdade e o direito básico de ir i vir.
Outra ditadura ou ditaduras estão por aí.
Escrevi horrores.