segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Um Cristo Morto e o Processo de Limpeza de Sujidades

 Este ano comprei alguns santos - Nossa Senhora do Rosário, São José, Santo Antonio e este Crucificado. A compra se deu por uma já conhecida estória: senhora devota falecida e filhos de outra religião que não querem conservar mais os santos em casa, querem se desfazer e o fazem o mais rápido possível. Me ofereceram as imagens que estavam bem conservadas, o preço estava ótimo e comprei. 
O Cristo estava perfeito, carnação original, sem retoques ou repinturas, nenhuma parte faltante, bem consolidado e com todos os adereços, ponteiras, resplendor, a cruz e a peanha de jacarandá em perfeita ordem. O problema era a sujeira em que a imagem se encontrava, completamente escurecida, sujo acumulado durante muitos anos - ele deveria estar em cima de algum móvel recebendo poeira que, misturada à umidade daqui de Salvador foi se prendendo à escultura como uma tinta escura. Até um "ovo" eclodido de barata estava preso ao cabelo!
Resolvi eu mesmo fazer a limpeza. Inicialmente passei cotonete embebido em solvente, mas não saiu nada, então fiz com palitos pequenos cotonetes com palha de aço macia- bombril- e, assim, embebendo no solvente fui passando com todo cuidado pela imagem do Cristo. Fiz este trabalho em 4 dias - início de junho - e não foi fácil! Só um taurino e devoto de Santa Rita, a da paciência, para encetar, ter pique para fazer uma empreitada dessa.
Na faculdade fiz dois semestres de restauração e fiz também um curso particular. Reli as apostilas, vi o lance do bombril com o solvente e lá fui eu! Só não tive coragem de limpar o rosto, zona muito delicada...passei um pouquinho de solvente no nariz e pronto.
O resultado foi ótimo, não interferi em nada, não arranquei nenhuma escara, nenhuma gota de sangue do Cristo, fui passeando pelo corpo dele com calma e me dei por satisfeito.
Para não acontecer de o Cristo voltar a ser depósito de poeira, cocô de mosca, de barata, tornar a ter aquela pátina de sujidade, mandei fazer uma caixa, tipo aquário e encaixei, coloquei o Cristo lá dentro. Ideal seria um nicho maravilhoso, mas não tenho.
Mas ele agora está em minha sala, no alto de um móvel e ficou ótimo.
E agora vejam como a imagem estava, muito suja e como agora ela está, limpinha, asseada, um brinco. Só o rosto que está e vai continuar assim, escuro. 
É o meu Cristo da cara preta.













Uma ametista no resplendor.












O perisônio é muito bonito, com estofamento em ouro, bem trabalhado e com muito movimento. Será o Cristo do século XVIII ou início do XIX? A escultura do Cristo é muito bonita, com proporções perfeitas. É uma imagem erudita e feita por um excelente escultor. É realmente muito bonita e estou feliz abrigando em minha casa este crucificado que já pertenceu a uma devota que o conservou durante muitos anos e que agora veio parar em minhas mãos, agora me pertence e guarda a minha casa.




















Aracy de Almeida . 1971

Aracy de Almeida, Jornal O Domingo Ilustrado, 1971.